Madalena estava encolhidinha no sofá com um olho na televisão, com a novela preferida, e outro no caderno que ia enchendo de números e de contas. Num intervalo comercial, virou para o marido e sentenciou:
-Anderson, pode ir preparando um maço de notas, porque o gasto será enorme.
Ele estava numa poltrona, tentando decifrar as análises de economia do caderno de finanças do jornal. Bastante compenetrado naqueles assuntos, resmungou:
-Hã?!? Maço?!?
-É, Anderson!! Maço! Grana!
Então ele tirou os óculos, deixou o jornal de lado e informou:
-Por falar em maço, quero te contar que fui proposto para entrar na Maçonaria.
-Maçonaria? O que é isso?
-Bem...
-Depois você explica; agora vou assistir à minha novela.
Na verdade, Madalena agora voltou a se concentrar mais em suas contas. Até então, ela nunca dependeu do salário marido, viajante comercial, pois possuía uma pequena loja de peças bordadas e tricotadas que, aliás, situava-se em uma rua com o nome bem sugestivo: Independência.
Porém, os negócios começaram a declinar, e Madalena, então, resolveu liquidar todo o estoque e fechar o estabelecimento. Com uma nova pintura e a colocação de novas luminárias, poderia alugar o prédio e ainda apanhar um alto valor a título de luvas.
As contas que ela fazia se referiam à realização de seus sonhos: a aquisição da lava-louças, do novo limpador a vapor, das tintas e das novas luminárias do prédio a ser alugado.
Dois dias depois, um sindicante da maçonaria bateu à sua porta:
-Dona Madalena?
-Sim...
-Bom dia, meu nome é Josias e sou das Grandes Lojas...
-Pois não, vamos entrar... - ordenou Madalena, bastante feliz, supondo que estava recebendo o encarregado do crediário da Loja de eletrodomésticos. Era evidente que seu marido já providenciara a compra de seus sonhos.
Já sentados na sala, Josias continuou:
-O seu marido já foi aprovado em nossa Loja, porém eu tenho aqui ainda um papel a preencher...
-Mas é claro que ele seria aprovado: ele sempre foi de bons costumes, limpo e puro...
-O que a senhora acha de nossa Instituição?
-Para falar a verdade, eu ainda não ouvi falar dessa Loja. Tem muita gente lá?
-Bem, ainda estamos começando. Temos só dois anos; mas iremos crescer bastante, pois trabalhamos com respeito, disciplina e ordem. A senhora concorda com a entrada do seu marido?
-Claro! - respondeu a esposa, rapidamente, imaginando que Anderson havia pago uma alta soma de entrada para as prestações ficarem mais acessíveis.
-Claro que concordo! Depois dessa, eu estou achando que ele irá ficar nem nu nem vestido. Mas é o início de uma nova vida!
-Vê-se que a senhora está sabendo de tudo.
-É que ele deixou em minha bolsa muitas propostas e informações.
-Puxa!
-Quanto que terá de pagar por mês?
-Mais ou menos em torno de cinquenta reais.
-Só isso? Ótimo! Bem, dentro de pouco tempo ele irá até lá, receberá as luzes e depois vocês entregarão o restante, não é isso?
-Sim, é realmente dessa maneira.
-Até parece que a senhora pertence a uma Loja!
-O senhor conheceu aquela loja com o nome "Comércio e Artes"?
Josias lembrou-se da famosa Oficina dirigida por Gonçalves Ledo, onde realizou-se o maior feito da Maçonaria no Brasil:
-Aquela da Independência?
-Isso mesmo. Pensei bastante, mas não deu certo...
O sindicante, de boca aberta, começou a fazer anotações em seus papéis.
Em dado momento, Madalena o interrompeu:
-O senhor pode escrever aí também que o salário do Anderson será elevado logo, logo!
-A senhora é bastante otimista...
-Bota otimismo aí. E eu ainda estou na expectativa de receber minhas luvas.
Em sua Loja, na Ordem do Dia, Josias começou a prestar contas de seu trabalho:
-Venerável Mestre, Luzes e meus Irmãos: proponho sejam iniciados em nossos augustos mistérios os profanos Anderson e sua esposa.
Autor: Irmão Ari Casarini de Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário